Desvio de função é crime? Entenda o que diz a lei

Pessoa sobrecarregado
Entenda os riscos do desvio de função (Foto: Freepik)

Em uma empresa, cada cargo é essencial para garantir o funcionamento organizacional de maneira eficiente e otimizada. No entanto, é possível identificar em alguns ambientes casos de desvio de função.

Utilizar o trabalhador para desempenhar funções pelas quais ele não foi contratado pode prejudicar a empresa em diversos âmbitos. A prática não só impacta a produtividade e a moral, mas também pode desencadear consequências legais e éticas.

Neste artigo, exploramos a definição de desvio de função e as orientações previstas na legislação trabalhista sobre a prática.

O QUE É DESVIO DE FUNÇÃO?

O desvio de função é uma prática que ocorre quando um funcionário realiza tarefas que não estavam previstas como suas responsabilidades ou descrição de cargo. Ou seja, é quando um colaborador é direcionado a executar atividades que estão fora do escopo de suas atribuições normais.

Há uma série de fatores que podem resultar no desvio de função, como sobrecarga de trabalho, falta de pessoal qualificado, falta de clareza nas atribuições de trabalho ou até mesmo por iniciativa própria do funcionário. 

A prática pode afetar negativamente a eficiência operacional, a moral dos funcionários e até mesmo a cultura organizacional. Além disso, em alguns casos, o desvio de função pode resultar em problemas legais ou éticos, especialmente se o trabalho realizado estiver em desacordo com regulamentações específicas ou se envolver atividades de alto risco.

DESVIO DE FUNÇÃO É CRIME?

Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), uma empresa pode solicitar que um funcionário realize atividades que não foram descritas no contrato de trabalho previamente, desde que seja feito em comum acordo e que não haja prejuízo para o colaborador.

Confira o que diz a lei:

Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

Artigo 468 da CLT

A lei também protege trabalhadores terceirizados do desvio de função. Veja:

É vedada à contratante a utilização dos trabalhadores em atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços. 

Artigo 5º-A da Lei 13.429/2017 

O artigo 483 também pode ser usado para caracterizar o desvio de função. O trecho se refere a exigências feitas pela empresa que estão além da “capacidade” do colaborador.

Confira:

O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

Artigo 483 da CLT

CONSEQUÊNCIAS DO DESVIO DE FUNÇÃO

O desvio de função pode acarretar várias consequências, tanto para o funcionário quanto para a organização como um todo.  Funcionários que foram desviados de suas funções podem acabar assumindo responsabilidades adicionais que não foram originalmente designadas para eles, levando a uma sobrecarga de trabalho e aumento do estresse.

Quando os funcionários sentem que estão sendo sobrecarregados ou que não estão sendo capazes de realizar suas tarefas designadas, isso pode levar a uma maior insatisfação no trabalho. O desvio de função pode desmotivar os funcionários, pois eles podem sentir que não estão sendo valorizados e reconhecidos por suas habilidades e contribuições reais.

Se as práticas de desvio de função se tornarem conhecidas publicamente, isso pode prejudicar a reputação da organização e afetar sua imagem perante clientes, parceiros e investidores.

Dependendo das circunstâncias e das atividades realizadas durante o desvio de função, pode haver riscos legais e éticos para a organização, especialmente se as ações do funcionário estiverem em desacordo com regulamentos ou normas específicas da indústria.

Quando ocorre desvio de função, o funcionário pode recorrer a um processo trabalhista contra a empresa. A ação deve partir do trabalhador, assim como também ele é o responsável por reunir as provas necessárias.

As provas a serem apresentadas podem ser mensagens, áudios ou e-mails, desde que comprovem que o empregador fez exigências que não estavam previstas no contrato de trabalho.

Há casos em que também é possível ter testemunhas para declarar se o trabalhador fez tarefas que não tinham a ver com o cargo para o qual foi contratado.

DIREITOS DO TRABALHADOR

Caso o funcionário vença o processo na Justiça, a empresa pode ser condenada a pagar retroativamente o ajuste no pagamento do colaborador, desde que seja comprovado que as tarefas exercidas pelo funcionário têm remuneração maior do que a que estava sendo paga a ele.

Também é possível que a Justiça determine que a organização pague uma indenização por danos morais, quando é comprovado que o desvio de função causou danos ao trabalhador.

Como já apresentado anteriormente, o artigo 483 permite ao funcionário solicitar rescisão indireta em casos de desvio de função. A rescisão indireta é uma espécie de demissão inversa, quando o demitido na verdade é o empregador

Ela pode acontecer quando um trabalhador identifica que a empresa não está cumprindo com o que foi acordado em contrato de trabalho ou está tendo medidas abusivas.

Neste caso, o trabalhador tem acesso a todos os direitos trabalhistas, semelhante ao que acontece com a demissão sem justa causa.

Confira os direitos do funcionário:

  • Saldo do salário, sendo proporcional aos dias trabalhados desde o último pagamento;
  • Férias e 13º salário proporcionais ao tempo de trabalho;
  • Aviso-prévio;
  • Seguro desemprego;
  • Pagamento de horas extras não pagas ou não compensadas (em caso de banco de horas);
  • FGTS com a multa de 40%;
  • Contribuições do Imposto de Renda.

Para que seja considerada rescisão indireta, o funcionário precisa recorrer ao Tribunal Superior do Trabalho para encerrar o vínculo empregatício.

O artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) descreve as situações em que é possível recorrer a rescisão indireta:

Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

COMO EVITAR O DESVIO DE FUNÇÃO

Para evitar o desvio de função e as consequências disso, o empregador e o empregado precisam estar cientes dos seus direitos e deveres. Também é necessário desenvolver tanto ações preventivas quanto corretivas.

Confira a seguir algumas ações importantes para evitar o desvio de função:

  • Descrições de cargos: Desenvolva uma descrição clara das responsabilidades e tarefas. A empresa precisa deixar tudo registrado e fazer com que o trabalhador fique ciente de todas as suas responsabilidades. Isso ajuda a evitar confusões sobre o que é esperado de cada pessoa dentro da organização.
  • Treinamento: Ofereça treinamentos para que os trabalhadores saibam exatamente quais são suas funções e como ele deve executá-las. Verifique se os funcionários têm as habilidades necessárias para realizar suas funções designadas. 
  • Supervisão: Implemente sistemas de monitoramento e supervisão para acompanhar o desempenho dos funcionários e identificar qualquer desvio de função precocemente.
  • Sistema de feedback:  Mantenha canais abertos de comunicação para que os funcionários possam dar feedbacks e relatar preocupações sobre sobrecarga de trabalho, falta de clareza nas atribuições ou outras questões relacionadas ao desvio de função. Além disso, comunique as expectativas de trabalho de forma clara e regular.
  • Revisão periódica das funções: Revise as funções e responsabilidades de cada cargo com uma certa frequência para garantir que estejam alinhadas com as necessidades da organização e que os funcionários não estejam assumindo responsabilidades excessivas ou inadequadas.
  • Atuação do RH: O RH é o setor da empresa responsável por contratar e gerir os funcionários. Portanto, os profissionais da área precisam estar atentos às informações descritas no contrato de trabalho e eventuais problemas que os trabalhadores possam enfrentar.
  • Avaliação de carga de trabalho: Avalie se a carga de trabalho dos funcionários para garantir que estejam distribuídas de forma equitativa e razoável. Isso pode ajudar a identificar áreas onde os funcionários estão sobrecarregados e onde o desvio de função pode estar ocorrendo como resultado.
  • Transparência na alocação de tarefas: Quando houver necessidade de mudança de funções, seja transparente e deixe claro as adaptações para os funcionários.

CONCLUSÃO

O desvio de função representa um desafio significativo para as organizações, afetando não apenas a eficiência operacional, mas também a moral dos funcionários e a integridade da cultura organizacional. Ao desviar das responsabilidades designadas, os funcionários correm o risco de sobrecarga de trabalho, insatisfação e até mesmo consequências legais e éticas.

Ao adotar uma abordagem proativa e abrangente para prevenir e corrigir o desvio de função, as organizações podem proteger sua produtividade e reputação. Isso envolve a implementação de políticas claras, comunicação eficaz, monitoramento regular do desempenho e uma cultura de responsabilidade e transparência.

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